O CCBB Rio abriu hoje a mostra Picasso e a Modernidade Espanhola que traz obras da coleção do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, com curadoria de Eugenio Carmona. A exposição ocupa todo o primeiro andar, dividida em 9 seções temáticas e não segue uma ordem cronológica, acertadamente. Aliás, o projeto museográfico e a curadoria para o espaço está perfeita, mesmo não trazendo novidades e a iluminação seguindo a cartilha, sem riscos. Não é permitido fotografar, mesmo sem flash - uma bobagem infinita - e ainda bem que só descobri da melhor maneira: fotografando!
O que acho mais bacana nestas grandes mostras é que elas nos possibilitam "ambientar" o artista. Sim, acabei de inventar um termo para tentar traduzir certa sensação: nós, cariocas e transeuntes, estamos recebendo uma mostra que traz obras importantes que dialogam de forma diferente, no seu lugar de origem (isso é papel do curador, mas também nosso). Por isso, este post não é a descrição da tal mostra, nomeando as tais seções etc etc (o folder também está bem didático). A ideia é compartilhar uma primeira impressão, num post escrito no calor dos acontecimentos de quem se depara com Picasso, em conversa franca com Gris, Dali, Miró, entre outros (Braque estava impossibilitado de estar exposto, já que era francês; mas, assim mesmo na minha ambiência, o chamei para vir conosco neste Embarque Imediato).
Não há dúvida que o Modernismo - leia-se: na passagem entre os séculos XIX e XX - traz à tona a discussão da figura psicológica, social, profissional do artista; indício certo da crise de sua função concreta na sociedade. Também não há duvida que foi na figura de Picasso que a Espanha compareceu no cenário da cultura européia (em especial a francesa daqueles tempos) e que seria justo através de um catalão (bem no início, não sabíamos exatamente qual era a posição política de Picasso) que iríamos assistir a produção de muitos dos maiores artistas do século XX.
Quando falamos em Picasso é comum vir à mente as imagens distorcidas do Cubismo. Em seguida, é comum a fala com certo desprezo subjetivo, do tipo: "isso? até eu faria!" E na mostra, os comentários não eram muio diferentes...uma pena que olhos viciados em certas repetições não se abram para contemplar um Picasso, o mais radicalmente clássico que nos apresenta. Sim, exatamente estou defendendo a figura de um Picasso, cheio de concessões e clássico no sentido mais radical da palavra: o que lhe interessa é a estrutura do quadro, o que lhe interessa é como o quadro funciona e por fim, como o objeto se apresenta, trazendo o tema da representação à tona. Há algo mais clássico que estes interesses? Foi lá no Renascimento, em especial, que os gênios se debruçaram inventando esse espaço da representação (o quadro como a "janela renascentista"). Picasso conhecia profundamente este espaço de criação e, modernista que era, partiu logo para sua dissolução. Sabia, ele, que agora o quadro deveria funcionar de uma outra maneira. Lá na mostra, Picasso fala assim: "eu pinto tantas telas, somente porque busco a espontaneidade e, depois de expressar algo com alguma felicidade, não tenho mais coragem de acrescentar qualquer coisa que seja" (1964).
Nessa conversa entre Picasso, Gris, Miró e Dali aqui no Rio, duas coisas me chamaram a atenção e foram os sinalizadores da minha ambiência.
O pintor e a modelo. Picasso, 1963 |
Mulher sentada apoiada sobre os cotovelos. Picasso, 1939. |
Arlequim com Violino. Gris, 1919 |
Arlequim. Salvador Dalí, 1926 Busto e Paleta. Picasso, 1925 Cabeça e aranha. Miró, 1925
Em primeiro lugar, a cor! O amarelo, verde e vermelho surpreendem quando temos em mente cubistas como Picasso (e também Braque não presente) e Gris, especialmente. Na contra mão, Miró mantém a relação com a pintura onírica, mas num tom diferente, não? A primeira imagem refere-se a uma série que Picasso fez já na década de 60 e praticamente é uma tônica na exposição, presente no início e na despedida da mostra. Entre as imagens é uma das poucas que consegui fazer antes de ser repreendida. Outras tive que "copiar" mesmo ...
A segunda coisa que chama a atenção é a presença da dualidade. Mesmo nesta pequena mostra de imagem a dualidade está praticamente presente em todas as pinturas e se apresenta com muita força na obra Busto e Paleta, na qual Picasso traz à tona a questão da tradição (busto de gesso, quase um modelo) em preto e branco. Também é surpreendente porque se somos envolvidos na dualidade que a conversa se desdobra, sabemos que Picasso é um artista que em suas obras oferece os significantes e nós somos responsáveis pelos significados e,também por isso, são obras múltiplas. Na prática, é isso mesmo: com o abandono da unidade de estilo, Picasso parte para as "variações" (essa é a primeira seção da mostra, inclusive). A diversidade para Picasso não é exceção e sim a regra (basta ver a multiplicidade/desdobramentos de muitos de seus trabalhos). E, para isto, Picasso também tem uma resposta: "os modos diferentes são a mesma coisa".
E ainda tem muito mais como o alter ego de Picasso - o minotauro - tanto em forma de desenhos como em filme, o infindável diálogo entre natureza e cultura, realidade e suprarrealidade, a tragédia, e, por fim, rumos para uma outra modernidade, com uma imagem que termina, mas também começa a mostra: diferentes, mas que são a mesma coisa!
Enfim, o mesmo Picasso surpreende e nos traz uma conversa muito particular aqui no Rio.
A dica é: apúrate! porque acho que você vai querer ouvir outras conversas...e até setembro ainda tem muito papo!
|
Inspirador o seu texto. Hoje passei pelo CCBB mas estava com turistas e não deu para conferir, Em breve irei e volto com minhas considerações.
ResponderExcluirBeijocas
obrigada Jorge, aguardo as suas considerações; Beijos
Excluir